A importância das áreas verdes urbanas
Como a preservação das áreas verdes urbanas pode beneficiar as cidades
Rio de Janeiro, 7 de novembro de 2022.
Por Guilherme Soares Rodrigues da Silva
Sumário
1. Introdução
2. Por que preservar as áreas verdes urbanas?
3. Principais institutos jurídicos federais para a preservação e implementação de áreas verdes urbanas.
4. Benefícios ecológicos fornecidos pelas áreas verdes
4.1. Benefícios para a qualidade do ar e controle térmico
4.2. Benefícios para a qualidade da água
5. Benefícios econômicos das áreas verdes urbanas
6. Benefícios socioculturais das áreas verdes urbanas
7. Conclusão
8. Referências
1. INTRODUÇÃO
Diante das inúmeras iniciativas de mitigação do fenômeno das mudanças climáticas, faz-se pertinente abordar um tema que vem ganhando relevância, recentemente, nos debates de planejamento urbano, especialmente diante da crise climática que se agrava e do alcance e cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Trata-se das áreas verdes urbanas, redutos de biodiversidade em meio à cidade com grande importância para a manutenção de processos ecológicos locais, para o provimento de benefícios locais para a cidade e para a remoção de gases do efeito estufa da atmosfera. A preservação, recuperação e implementação dessas áreas verdes pode gerar retornos em qualidade do ar, da água, do solo, amenização da temperatura e ainda de qualidade de vida para os habitantes da cidade.
As cidades têm um papel relevantíssimo no combate às mudanças climáticas. As áreas urbanas concentram cerca de 75% das emissões de gases do efeito estufa relacionadas ao consumo de energia, um número que tende a continuar a subir (WRI, ICLEI, C40, 2021).
Segundo o World Resources Institute (WRI), apesar dessa importância, as cidades têm deixado as árvores fora de seu radar de ação climática (WRI, 2022). O instituto atribui esse fenômeno à dificuldade de algumas cidades de levantar seu inventário de carbono, principalmente por causa da falta de orientação em como realizar esse processo. Algumas organizações têm trabalhado para melhor oferecer esse alicerce, tais como o próprio WRI, ICLEI — Local Governments for Sustainability e C40. Uma política pública de qualidade de endereçamento de emissões depende da qualidade dos dados (WRI, ICLEI, C40, 2022).
Algumas cidades brasileiras já se juntaram à iniciativa Cities4Forests, que visa engajar a proteção das florestas urbanas, florestas próximas a áreas urbanas e até mesmo as florestas distantes. Segundo a lista do Cities4Forests, essas cidades brasileiras são Extrema (MG), Macapá (AP), Palmas (TO), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), Salvador (BA), São Luís (MA) e São Paulo (SP).
2. POR QUE PRESERVAR AS ÁREAS VERDES URBANAS?
As áreas verdes urbanas tem papel relevante dentro do ambiente urbano. São capazes de produzir efeitos benéficos que extrapolam até mesmo o perímetro urbano, além de — é claro — melhorarem o ambiente imediatamente circundante.
Como coloca Zé Pedro de Oliveira Costa (2022), “para além de parques e praças com árvores nativas, que trazem prazer e recreação, os centros urbanos podem se tornar habitats de animais autóctones”. Esses animais, por sua vez, auxiliam na manutenção do ecossistema presente, garantindo a sua sustentabilidade. Esse potencial pode ser incrementado com o plantio de flora adequada para a alimentação da fauna (idem ibidem), contribuindo com a manutenção do ecossistema local. Como exemplo real, pode ser citada a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde um projeto de reintrodução da fauna nativa vem sendo conduzido.
Desde os anos 1970, espécies vêm reocupando os espaços de seus habitats originais. Os primeiros, foram os tucanos-do-bico-preto (ramphastos vitellinus) e as jiboias (boa constrictor), desaparecidos pela perda da mata (Globo Repórter, 2021). Em 2010, foram os jabutis (chelonoidis denticulata), caçados pela sua carne durante anos e para fins de domesticação (idem ibidem). No mesmo ano, foram introduzidas onze cutias (dasyprocta leporina), importantes para a manutenção dos estágios mais avançados da floresta, como com as “gigantes cutieiras” (joannesia princeps) (idem ibidem). Em 2015, foi a vez dos macacos bugios (alouatta guariba lacépède). Os pesquisadores planejaram a reintrodução, ainda nesse ano, da arara-canindé (ara ararauna), fazendo com que a floresta retome ainda mais cores. Planejam, também, a reinserção das iguanas (iguana iguana — observadas no local em 1817) e sonham com a reintrodução do mico-leão-dourado (leontopithecus rosalia). Essa reintrodução da fauna original traz benefícios sistêmicos e pode ter impacto em outras áreas econômicas (como será tratado mais abaixo).
Ainda nesse contexto, as áreas verdes urbanas, bem preservadas, são notórias pelos “serviços sistêmicos” ou “serviços ambientais” prestados às cidades. Esses benefícios podem ser classificados em 3 categorias: provisão, regulação e cultural (Costa, 2022).
Os serviços de provisão são aqueles que sustentam os recursos básicos que obtemos da natureza como os alimentos, água, madeira e plantas medicinais (idem ibidem). Os de regulação são aqueles que mantêm o meio ambiente equilibrado, relacionados à manutenção da qualidade do ar, do solo (em termos de erosão e fertilidade), de inundações, de polinização de lavouras, de moderação de efeitos climáticos e de prevenção de desastres naturais (idem ibidem). Já os culturais se relacionam com o contato humano com a natureza, pautando as identidades culturais, relações sociais, o cenário paisagístico, a criação e fornecimento de espaços de lazer e criação artística e de valorização científica, educacional e religiosa.
A ideia de reaproximar o campo da cidade não é tão recente. Pode ser datada do fim do século XIX, atribuída ao urbanista e escritor inglês Ebenezer Howard, quem concebeu a ideia de “cidade-jardim”, da qual até mesmo São Paulo bebeu se inspirou. Há quem defenda que foi a partir desta ideia que se desenvolveu o conceito mais moderno de “cidades verdes” (Costa, 2022). Essas, por sua vez, são as cidades que focam em construir novas relações com o ambiente natural circundante, prestando especial atenção ao saneamento, ao banimento da canalização de seus rios (e recuperação dos já canalizados), às novas soluções energéticas, à implementação de áreas verdes extensas e ao investimento em melhores condições de vida para a população (idem ibidem).
3. PRINCIPAIS INSTITUTOS JURÍDICOS FEDERAIS PARA A PRESERVAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE ÁREAS VERDES URBANAS
No Brasil, já há vários institutos normativos capazes de orientar a implementação e obrigar a manutenção de áreas verdes urbanas. Em primeiro lugar, a carta constitucional dispõe ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a proteção do meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas, bem como a preservação das florestas, fauna e flora (art. 23, VI e VII, CRFB). Ao tratar das competências do Município, especificamente, em seu art. 30, a Constituição estabelece que compete a esse Ente legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I) e promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (inciso VIII).
A Constituição Cidadã de 1988 também estabelece o direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo “bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida”, tal como dispõe o art. 225. Quanto à política urbana, o art. 182 estabelece que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo a garantia do bem-estar de seus habitantes por meio do ordenamento e desenvolvimento das funções sociais da cidade. Em uma leitura teleológica, em clara harmonização dos objetivos dos dispositivos constitucionais, é evidente que a proteção ambiental se insere na orientação da política de desenvolvimento urbano, na medida em que a preservação da natureza é capaz de melhorar o bem-estar — tendo em vista a sua essencialidade à qualidade de vida. Os dois artigos estariam, portanto, interligados.
No campo infraconstitucional, o próprio Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) estabelece em seu art. 1º, parágrafo único, que as normas de ordem pública trazidas no documento jurídico visarão o bem coletivo, a segurança, o bem-estar dos cidadãos e o equilíbrio ambiental. Em seu art. 2º, I, IV, VI, “g” e IX, coloca que, dentre as diretrizes gerais do planejamento urbano e desenvolvimento das cidades, encontram-se a garantia do direito a cidades sustentáveis, a correção das distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente, a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e a garantia do uso do solo de forma a evitar a degradação ambiental e a poluição. Assim, o Estatuto da Cidade exala uma preocupação ambiental inequívoca.
Vale lembrar que o Poder Público municipal possui o direito de preempção garantido no Estatuto da Cidade em seu artigo 25, isto é, o direito a ter preferência na aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares. Uma das hipóteses para o exercício deste direito é, justamente, para a criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes (art. 26 do Estatuto da Cidade). E, vale ressaltar que, quanto à criação de unidades de conservação, depende de ato do Poder Público (art. 22 da Lei 9.985/00), tendo o município, também, competência para fazê-lo.
4. BENEFÍCIOS ECOLÓGICOS FORNECIDOS PELAS ÁREAS VERDES
4.1. Benefícios para a qualidade do ar e controle térmico
As árvores são capazes de retirar do ar uma gama de poluentes, tais como dióxido de nitrogênio (NO2), dióxido sulfúrico (SO2), Ozônio (O3), Monóxido de Carbono (CO) e partículas PM10, entre outros (Hikowa, 2011). Essa remoção é feita, principalmente, pelo estômato, mas alguns gases são absorvidos pela superfície da planta (Nowak, Crane, Stevens, 2006). Dentro da folha, os gases se difundem pelos espaços intracelulares e podem ser transformados em ácidos ou reagir com outras superfícies interiores (idem ibidem).
Adicionalmente, liberam oxigênio por meio do processo fotossintético e reduzem o carbono atmosférico (CO2) pela absorção (Hikowa, 2011), empregando-o em seu crescimento. A biomassa produzida (sobre e sob o solo) atua como depósito de carbono (carbon sink) (WRI, 2022).
Quanto ao controle térmico, as árvores também um papel relevante nesse aspecto. Na forma mais direta, as árvores projetam sombras, interceptando os raios de sol antes que estes atinjam os prédios, as calçadas ou o asfalto da rua — superfícies que absorvem e irradiam mais calor. Dessa forma, diminuem a temperatura de seus arredores e, como consequência, ajudam na economia de energia, já que reduzem a necessidade de resfriamento ativo nos prédios (para ver mais maneiras de reduzir a necessidade de resfriamento ativo em edifícios, clique aqui para acessar outro artigo que trata sobre esse tema). Indiretamente, a evapotranspiração libera vapor d’água mais fresco, ajudando na mitigação do efeito da “ilha de calor” (Hirokawa, 2011).
4.2. Benefícios para a qualidade da água
As árvores ajudam a mitigar a deterioração da qualidade da água. As cidades carecem de solos permeáveis nos quais a coleta de água da chuva possa seguir o seu ciclo natural com eficiência. No lugar, os solos impermeáveis favorecem a contaminação da água por uma gama diversíssima de poluentes — óleos, pesticidas, chorume e lixo, por exemplo –, além de proporcionar um aumento na sua temperatura, gerando um risco para espécies de alta sensibilidade para esses tipos de mudanças ambientais (Hirokawa, 2011). Esses poluentes podem, inclusive, incentivar o crescimento de algas e proporcionar outras consequências de desbalanço nutricional. As árvores têm um papel mitigador, nesse sentido, porque possuem um papel redutor e de filtro da água da chuva (idem ibidem). As folhas, galhos e tronco aumentam a superfície de contato para a água e trabalham como barreira dificultadora do seu caminho ao solo, interceptam a água da chuva — podendo, inclusive, realizar uma percolação. Essa água, então, chega em menor volume ao solo, já que uma parte retorna à atmosfera pela evaporação. Podem ajudar na redução da necessidade de contenção (como enchentes) e tratamento da água portanto (idem ibidem).
Cita-se, aqui, o exemplo de Jakarta (Indonésia), uma cidade bastante urbanizada com pouca cobertura florestal e que sofre constantemente com os impactos da mudança climática. As árvores têm promovido a resiliência climática ao reduzir o volume e o fluxo das águas da chuva, reduzindo, por conseguinte, a intensidade e frequência de enchentes, protegendo a cidade contra danos. Os solos circundantes às arvores são permeáveis e permitem o escoamento e armazenamento das águas pluviais. Também auxiliam na filtragem do ar da região (WRI, 2022).
Esses efeitos podem ser explorados em larga escala quanto mais forem as árvores plantadas no perímetro urbano. É evidente que não é a plantação de uma única muda que vai garantir resultados perceptíveis nos termos descritos, mas sim a manutenção de várias árvores, de uma área verde — um parque urbano, um bosque, uma floresta urbana ou uma floresta próxima.
Assim, a criação, preservação ou restauração das áreas verdes urbanas (especialmente as internas e próximas à cidade) têm um papel relevantíssimo na manutenção da qualidade da água da cidade e até mesmo na prevenção de enchentes.
5. BENEFÍCIOS ECONÔMICOS DAS ÁREAS VERDES
5.1. Externalidades positivas e outros benefícios econômicos
Apesar de serem objetos recentes de cálculos econômicos, uma linha ainda incipiente, já tem sido mostrado reiteradamente que as áreas verdes provêm impactos muito positivos para a economia, além de evitarem ou mitigarem os impactos negativos. Na verdade, esses impactos se relacionam intrinsecamente com a ideia de externalidades, que podem ser definidas como um impacto no bem-estar de terceiro (positivo ou negativo) que não participa da ação nem paga ou recebe nenhum tipo de compensação decorrente de alguma atividade de outrem (Mankiw, 2019). Um exemplo clássico de externalidade negativa é a fumaça liberada pelo escapamento pelos carros à combustão. A fumaça é externalidade negativa porque é capaz de piorar o bem-estar de outros indivíduos não relacionados com a atividade, sem oferecer-lhes compensação (idem).
Nesse sentido, tanto as áreas verdes urbanas públicas quanto as privadas têm potencial de gerarem externalidades positivas aos habitantes da cidade. Em primeiro lugar, tem-se a melhora na qualidade do ar promovida pelas plantas, já debatida no tópico anterior, mas que transcende os pagadores. Isto é, mesmo aqueles que não estiverem diretamente envolvidos nos custos de implementação e manutenção das áreas verdes poderão ser beneficiados por elas sem o pagamento de compensação. Nos EUA, segundo o Fórum Econômico Mundial (2022), um quinto do CO2 é absorvido por árvores em espaços urbanos.
Há que se falar nos benefícios térmicos, que, nos EUA, podem chegar a reduzir o gasto energético para resfriar as cidades em até 7,2% (Fórum Econômico Mundial, 2022). Esse benefício é, também, compartilhado.
É importante mencionar a valorização imobiliária que a implementação de espaços verdes urbanos ou a sua boa manutenção podem proporcionar. Segundo o Office for National Statistics do Reino Unido (2019), propriedades próximas a áreas verdes podem ser valorizadas, em média, em 2,500 libras esterlinas. E também varia de acordo com a metragem da área verde acessível. É possível visualizar essa relação no gráfico abaixo:
Em se tratando de externalidades, muitas vezes, é importante ressaltar que os benefícios nem sempre são imediatamente visíveis ou apreensíveis. No entanto, é estritamente necessário pensar a longo prazo e ter em mente os serviços ambientais que as áreas verdes prestam à cidade, que tem consequências para o ambiente urbano, natural e, logicamente, para as pessoas em volta.
5.2. Benefícios para as atividades turísticas
Há também que se falar no impacto da existência das áreas verdes urbanas para o turismo. Esses espaços têm potencial para a atração turística e, consequentemente, potencial para aumentar a arrecadação do setor de turismo como um todo nas cidades — como a rede hoteleira e de serviços em geral. Para exemplificar, pode-se analisar o exemplo do município do Rio de Janeiro.
A cidade do Rio de Janeiro tem uma localização geográfica muito privilegiada, rodeando-se de belos cenários, entre as montanhas e o mar, e com muitas áreas verdes que entrecortam a urbe. É justamente dentro destas áreas que se encontram os pontos de maior interesse turístico, que atraem as multidões de dentro e de fora do país: o Cristo Redentor, que se situa no seio da Floresta da Tijuca, no topo do Corcovado; e o Pão de Açúcar, formação natural de rocha em granito cujas encostas são recobertas pela mata atlântica.
Segundo pesquisa de demanda turística realizada pela Prefeitura do Rio (2017), há um claro direcionamento dessa demanda para monumentos naturais e áreas verdes urbanas. De acordo com os dados levantados, na análise da demanda internacional foi possível perceber que 46% da demanda estava direcionada para esses pontos, assim discriminados:
A soma destas demandas supera até mesmo a demanda por praias (20% — internacional; 18% — nacional). É visível portanto, o interesse dos turistas em visitarem estes marcos. Outro dado interessante que corrobora com essa tese é do número de visitantes no Parque da Tijuca, conforme exposto no gráfico abaixo.
O gráfico mostra uma taxa de visitação anual na casa dos milhões. O Parque da Tijuca é, definitivamente, um dos pontos altos da urbe carioca para os turistas. E mesmo considerando o potencial atrativo da internacionalmente admirada estátua do Cristo Redentor, que certamente atrai multidões per se, e se encontra na área do parque, uma análise separada não exatamente faz sentido. Isso porque o que compõe o potencial turístico do Cristo Redentor não é a estátua somente. Ela, sozinha, apesar de magnífica, não seria capaz de causar o impacto que causa. O Cristo Redentor é o que é porque se encontra no topo do Corcovado, um monumento natural, rodeado pela natureza exuberante do parque e com a esplendorosa vista da paisagem que é patrimônio da humanidade. Portanto, é o ambiente (do qual a estátua é componente), que é o atrativo.
Ainda assim, é possível ter uma ideia dos turistas mais interessados na visitação do parque propriamente dita por meio da análise do gráfico abaixo.
Conforme se pode perceber pela análise dos dados dispostos, o número de turistas que frequentam as trilhas da Floresta da Tijuca só cresce (à exceção de 2020, em virtude da pandemia). Bateu, em 3 anos, mais de uma centena de milhares de turistas. E, conforme mostra a linha translúcida no meio do gráfico, a tendência é o aumento desse número.
Dessa forma, considerando alto número de visitantes do parque durante os últimos anos, é visível o potencial de atratividade turística que podem ter as áreas verdes urbanas e o benefício econômico delas decorrentes para esse setor. Afinal, é necessária toda uma infraestrutura de bens e serviços para alocar e prover para os milhões de turistas que visitam o parque e a cidade. As áreas verdes urbanas podem, dessa forma, auxiliar no aumento de arrecadação desse setor.
6. BENEFÍCIOS SOCIOCULTURAIS DAS ÁREAS VERDES URBANAS
A preservação, manutenção, restauro e, principalmente, implementação de áreas verdes urbanas pode ter um efeito positivo redutor de desigualdades. Ao compreender a importância das árvores para o bom funcionamento da cidade, bem como seus inúmeros benefícios para o bem-estar dos habitantes, inclusive na seara da saúde, o empreendimento em novas áreas verdes para ampliar os efeitos positivos das árvores pode permitir o acesso isonômico a esse bem natural. Isso se fundamenta no fato de que, via de regra, as partes mais ricas das cidades possuem mais árvores do que as áreas pobres. Assim, os residentes de menor renda são aqueles que menos se beneficiam das vantagens promovidas pela presença de árvores e mais são atingidos pelos malefícios decorrentes da sua ausência — como as ilhas de calor (WRI, 2022).
Para além desse efeito, as árvores também têm uma relação evidente com outros benefícios sociais, de ordem cultural, urbanística e até mesmo espiritual (algo que trata a linha do “urbanismo espiritual”). Hirokawa (2011), defende que as árvores tenham um papel estético de ícones cultuais e espirituais, cujo potencial se verifica até mesmo para além da quantificação objetiva. As árvores têm um potencial transformativo do ambiente, podendo dar significado a um lugar cotidiano. Além disso, essas florestas são, por vezes, o único contato do habitante urbano com a natureza, permitindo experiências pessoais. Os benefícios dessas experiências nas florestas urbanas são tão (ou mais) tangíveis quanto aqueles auferidos pelo contato com a natureza selvagem — pela frequência regular com que o cidadão tem contato com elas (idem ibidem).
Há até quem aponte que haja alguma relação entre a violência urbana e a falta de árvores. É evidente que a violência não se explica tão simplesmente pela falta de áreas verdes, mas a falta destas pode contribuir para um aumento desta em determinadas áreas ou preveni-la em outras, por conta de externalidades que produz, além de terem um potencial de reduzir o risco percebido.
Conforme aponta Hirokawa (2011), um estudo conduzido por Frances Kuo e William Sullivan na cidade de Chicago (EUA) foi capaz de apontar que apartamentos situados em áreas verdes tinham experienciado taxas de crime 40% menores do que os apartamentos sem verde ao redor. A explicação é que, por mais que as árvores projetem sombras (e, na imaginação comum, quanto mais sombras mais crime), na verdade o efeito inclusivo da presença de árvores é bem presente. No estudo, se viu que onde havia mais árvores se verificava mais vida social, mais interações, as crianças brincam mais no exterior, havia mais sensação de segurança, menores incidências de grafitti ou outros signos de desordem urbana, além de menores taxas de crimes contra a propriedade e crimes violentos (Kuo, Sullivan, 2001, apud. Hirokawa, 2011).
Hirokawa (2011) defende que as comunidades que têm acesso a áreas verdes os utilizam de forma a agregar, de forma a gerar coesão social por meio da socialização e da recreação, fortalecendo os vínculos comunitários. No mais, há conexões entre a presença de áreas verdes no preço dos alugueres, no estresse dos motoristas, na produtividade no trabalho, no desenvolvimento infantil e na recuperação de doenças (Idem ibidem).
7. CONCLUSÃO
Para se entender a importância desses espaços é necessário pôr em xeque a relação da cidade com a natureza. É necessário repensar se é verificável, na prática, esse suposto antagonismo entre o ambiente urbano e o natural ou se é possível propor uma relação simbiótica, harmônica entre o ser humano e a natureza. Na verdade, as cidades têm uma relação de dependência direta das áreas verdes, que garantem a sua sobrevivência. A manutenção e implementação destas áreas é um poder-dever da Administração Pública para o cumprimento dos objetivos constitucionais da garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado e da garantia do desenvolvimento que assegure o bem-estar aos cidadãos. Esse anseio constitucional foi também expresso no Estatuto da Cidade, que regula justamente o planejamento urbano e a ocupação do espaço e seus usos. Nesse diploma jurídico, a preocupação ambiental é também exalada. Diante dos amplos benefícios socioeconômicos relatados no presente artigo, é visível a necessidade de ampliação de políticas públicas voltadas à implementação e manutenção de áreas verdes, de forma a assegurar um desenvolvimento mais equânime, saudável, sustentável e consciente.
8. REFERÊNCIAS
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COSTA, Zé Pedro de Oliveira. Uma História das Florestas Brasileiras. Belo Horizonte — MG: Autêntica, 2022. 1ª ed.
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