Investimentos em adaptação climática podem gerar benefícios a curto prazo

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5 min readSep 20, 2022

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Investimentos podem evitar perdas econômicas futuras ao mesmo tempo que expandem a economia por meio da inovação

Rio de Janeiro, 20 de setembro de 2022

Por Guilherme Soares Rodrigues da Silva

Cidade com arranha-céus ao fundo, uma rodovia de duas pistas no meio, prédios do lado direito e árvores preenchendo todos os espaços livres abaixo da linha do horizonte. Entardecer.

Com as mudanças climáticas se tornando, cada vez mais, um desafio do presente e de um futuro mais próximo do que se estimava anteriormente, produzindo efeitos ainda mais drásticos e perceptíveis em todo o globo, faz-se urgentemente necessário pensar no preparo das cidades para lidarem com essas novas questões que surgirão, caso se concretizem as projeções mais atualizadas para a crise climática. Com um tempo ainda mais curto para agir em mitigação, é preciso, também, planejar estratégias de adaptação para o clima do futuro.

No contexto das consequências climáticas, as cidades ocupam um lugar central. O fenômeno do êxodo urbano, que já é uma tendência antiga no mundo, poderá ser acelerado pelas mudanças climáticas na medida em que novas regiões se tornam vulneráveis às mudanças, atingidas por secas, chuvas torrenciais, inundações ou outros fenômenos climáticos extremos, inviabilizando-as para o desenvolvimento de atividades econômicas ou de subsistência e forçando a migração de enormes contingentes que buscarão um refúgio nos grandes centros urbanos.

A estimativa da ONU é de que, em 2050, 68% da população humana resida em cidades, uma em cada sete pessoas, aumentando bastante a pressão sobre o ambiente urbano e sobre a prestação de serviços públicos, com especial atenção aos serviços públicos básicos como saúde e fornecimento de água potável.

Investimentos em adaptação, no entanto, ao lado dos investimentos em mitigação, podem trazer benefícios diante desses cenários, e benefícios ainda mais atuais. Segundo o relatório publicado pela Comissão Global sobre Adaptação (Global Comission on Adaptation), cinco áreas merecem prioridade em investimentos adaptativos às mudanças climáticas: sistemas de alerta, infraestrutura resiliente ao clima, agricultura, proteção dos manguezais e proteção dos recursos hídricos. Segundo o relatório, o investimento nessas áreas pode evitar perdas econômicas futuras em decorrência de danos climáticos e ser um fator de expansão da economia por meio da inovação. A relação de custo-benefício do investimento em adaptação climática apontada pelo relatório é a de que, para cada 1,8 trilhão de dólares investidos, obtém-se um retorno de 7,8 trilhões de dólares em benefício. Ou seja, um retorno 4,3 vezes maior que o investimento.

Custos e Benefícios da Adaptação, retirado do Relatório do Global Center on Adaptation (2019). Figura ES.1. p. 4.

Os manguezais, por exemplo, são de extrema importância para a prevenção de enchentes e proteção de áreas costeiras contra desastres ou erosão. A sua preservação ajuda a evitar danos na cifra de 80 bilhões de dólares por ano, por conta desses benefícios. Isso sem falar no seu papel essencial para a preservação da fauna e flora marinha e terrestre do local, servindo como um local de reprodução e berçário natural para diversas espécies.

Segundo o relatório, também, investir 800 milhões de dólares em sistemas de alerta preventivos em países em desenvolvimento pode representar uma contenção de danos entre 3 bilhões e 16 bilhões de dólares por ano no futuro. Estima-se que um aviso prévio de 24 horas para o preparo para um desastre possa reduzir os danos em 30%. Um exemplo proeminente é o de Bangladesh, que implementou esses sistemas juntamente com a construção de abrigos e o reforço estrutural de prédios, além de conscientização do público. A queda nas fatalidades foi exorbitante. Enquanto que em 1970 o país chegou ao triste marco de 300 mil mortes em decorrência de um ciclone, em 2007, em outro cataclismo, após a implementação dessas medidas, as fatalidades se somaram a 3.360 pessoas, uma redução de 98,9%.

Na agricultura, é preciso trabalhar com a inovação e o desenvolvimento. No Zimbábue, por exemplo, fazendeiros usando uma variedade de milho resistente à seca foram capazes de colher até 604 quilos a mais de milho do que seus companheiros, fornecendo-lhes uma renda extra de 240 dólares e comida suficiente para alimentar uma família de seis pessoas por nove meses.

O relatório também destaca os investimentos feitos na contenção de enchentes no rio Tâmisa, em Londres, onde foi instalada uma barreira para esse fim.

Isso sem contar com os benefícios à saúde, que poderiam aliviar a pressão dos sistemas de saúde ao evitar despesas com tratamentos de doenças relacionadas às mudanças climáticas, em especial aquelas relativas à poluição — do ar, da água e do solo.

Os riscos de não investir em adaptação, por outro lado, são muitos. Até 2050, as mudanças climáticas poderiam reduzir o crescimento dos rendimentos agrícolas em até 30%. O número de pessoas sem acesso a água cresceria de 3,5 bilhões para até 5 bilhões. E, para as cidades, os danos decorrentes das mudanças climáticas poderiam atingir a cifra de 1 trilhão de dólares por ano. Além disso, mais de 100 milhões de pessoas poderiam cair para baixo da linha da pobreza.

Várias cidades no mundo começaram a dar os primeiros passos para endereçar os riscos que enfrentam em decorrência das mudanças climáticas. Nova Iorque, nos EUA, renovou algumas normas de zoneamento e de construção antevendo um cenário com maior volatilidade climática e de aumento do nível do mar. Começou também um projeto de proteção de Lower Manhattan contra tempestades. A cidade de Miami também deliberou a destinação de 400 milhões de dólares para a implementação de medidas de resiliência climática no seu território. Norfolk, na Virgínia, tem assumido uma posição de “laboratório” das medidas de adaptação, tendo em vista a sua ampla vulnerabilidade.

No Brasil, o investimento em adaptação das mudanças climáticas ainda é bastante tímido, segundo Peter H. May e Valéria da Vinha, mesmo quando comparado a outros países da América Latina. No entanto, como apontam eles, há ecossistemas vulnerabilíssimos às mudanças climáticas para os quais há unanimidade entre os estudiosos sobre a necessidade de proteção, como a Amazônia e o semiárido, muito afetados pelo crescimento econômico.

Referências

GLOBAL COMISSION ON ADAPTATION. Adapt now: A Global Call for Leadership on Climate Resilience. Global Comission on Adaptation, 13 de setembro de 2019. Disponível em: GlobalCommission_Report_FINAL.pdf (gca.org). Acesso em: 20/09/2022.

KUSNETZ, Nicholas. Benefits of Investing in Climate Adaptation Far Outweigh Costs, Comission Says: Report calls for massive boost in investment to avoit ‘climate apartheid’, in which wealthy people can pay to protect themselves, but the rest of the world suffers. Inside Climate News, 10 de setembro de 2019. Disponível em: Benefits of Investing in Climate Adaptation Far Outweigh Costs, Commission Says — Inside Climate News. Acesso em: 20/09/2022

MAY, Peter H. VINHA, Valéria da. Adaptação às mudanças climáticas no Brasil: o papel do investimento privado. Estudos avançados n. 26 (74). Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-40142012000100016. Acesso em: 20/09/2022.

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